sábado, 24 de novembro de 2012

Os Olhos do Sul: IV - Alianças Indignas

 As "férias" com Willard e Nicholas tiveram o seu final abrupto quando o burburinho na cidade lhes chegou aos ouvidos. Algures na Paróquia de St. Landry, Bayou Teche, Louisianna pode ler-se no cartaz, fixado com uma faca na porta da Igreja: "Descobriram-te. Não tens por onde fugir. Encontramos-nos na ponte velha amanhã à meia-noite. PS: vem sozinho. Ass. U.S. Marshalls". Abaixo, constava a sua fotografia carimbada de "PROCURADO". Não faria sentido não comparecer e chegada a hora haveria de lá estar.

"Nem olhes para mim. Olha para aqui se quiseres andar à porrada e vais perder, digo-te já. Fala o que tens a falar e cada um de nós segue o seu caminho." rematou Kurt, sem pejo. Não se calou e lançou o dedo encriminador: "Há dias que mais vale deixar as cartas cair... Tens falhas na organização, adianto-te. Bem os vestes como homens, mas nem o cabedal nem as correntes lhes dão tomates de ferro, ou pensas que o miúdo não falou? Sei de tudo. Fica só uma dúvida: mandas alguma coisa ou queres mandar?"

"A conversa acaba aqui.  Não sei quem julgas ser para desafiares a autoridade como tens feito desde do Texas, mas vais-te por a direito a partir daqui. Nem que tenha de te amarrar à última cadeira na última cidadezinha do Alabama, vais-me entregar o Comanche!" Hawkes, continuou subindo o tom. "Vim para te vir buscar, meu parvalhão. Se queres tornar isto num concurso de bocas bem podes ficar a falar, enquanto te caem em cima. Ou pensas que estou aqui sozinho?!"

Como quatro vértices de um quadrado, as motas acenderam os seus faróis e iluminaram a ponte. Cercados, os dois homens baixaram a cabeça e levantaram os braços. No chão, várias sombras se moviam como fantasmas na água, diante de Kurt. Do que conseguiu descortinar, o mesmo se passava nas costas do Sargento Hawkes. O passeio na luz foi subitamente interrompido por dois tiros vindos da penumbra.

Kurt Stone continua a disparar. As balas voam directas ao alvo, tal e qual tinha aprendido no bayou: trazer os alvos para a linha de visão e não o contrário; focar os olhos na mira frontal e apontar ao centro do alvo, de modo a ver duas miras frontais e o alvo desfocado; para tiro certeiro, mudar o foco várias vezes entre a mira e o alvo até estar satisfeito; para tiro rápido, baixar a mira traseira em relação à frontal e apontar ligeiramente abaixo no alvo, de modo a obter um encaixe mais eficaz em conjunto com o ritmo da arma. As farpas saltam dos pilares de madeira da ponte coberta.
Pouco antes do disparo seguinte reduzir uma das motos a uma pira incandescente nessa noite sem luar, Kurt colou-se à parede e furtivamente se colocou atrás do seu carrasco. Poucas execuções são visíveis no clarão de um disparo, mas a explosão de osso, miolos e sangue foi ofuscante como o fogo em si.

Ainda o corpo do primeiro não tinha tremido o chão e Hawkes rodava sobre si próprio descarregando o tambor na última sombra de pé. O impacto dos projecteis ensurdeceu a escuridão e o repetidor calou o silêncio em ritmo tão certo como as batidas do coração. Era um dos motards, indistinguível no meio do breu. Kurt havia-se ocultado, encostando-se à parede e permitindo o embuste. 

Todos caíram, excepto os dois pistoleiros. "Acho que vamos ter de resolver isto à maneira antiga..."

A cápsula voa e sai-lhe lentamente do ângulo de visão. Segue-se o fumo branco e o cheiro a pólvora. O revólver encravou. O marshall, sendo um homem experiente em lidar com armas, sabia que teria sido do sobreaquecimento: O cilindro de aço inoxidável expande com o calor, e não é possível premir o gatilho, aliás todas as peças parecem estar soldadas. Mal teve tempo de segurar na arma de apoio que foi atingida em cheio, caindo à sua frente. Estava desarmado.
Um breve momento de tensão iluminou o olhar dos dois homens enquanto se quedavam impassíveis. A arma jazia a cerca de dois metros e não fosse a idade, Hawkes só precisava de uma distracção para se lançar jogando a sua cartada. 

Do outro lado, Kurt queria a resposta às suas perguntas e bem lhe custava finar um marshall dos Estados Unidos sem estar completamente satisfeito com a escolha.

Um ruído estridente o suficiente ou um flash de luz bastariam para voltar a situação a favor da autoridade. Os segundos passavam e a mandíbula não ficaria hirta durante muito mais tempo, o tremor das pernas seria aparente e o medo mataria-o antes que qualquer bala o pudesse fazer. 

O fugitivo parecia ter a vantagem e não a iria perder, só o tempo se interpunha entre ele e o sucesso. Quanto mais esperasse, mais o adversário ganharia confiança para fazer Deus sabe o quê. 

Kurt pressionou lentamente o gatilho até metade, tão vagarosamente que nem a experiência de Hawkes o deixou arriscar qualquer acção, tal era a iminência da morte - estava hipnotizado pelo cano da arma, sem que nada acontecesse, haveria sequer aviso? Contou um, dois... era agora - Como uma cascavel, de súbito removeu o dedo e deu dois passos para a frente, apoderando-se da pistola caída. O doce triunfo humilhante era todo seu e o velho ajoelhou-se em resignação. O calor da noite estava cada vez mais frio.

"Os amigos escondidos no mato. A pontaria certeira. O pensar fulminante e as pernas ágeis. Ganhaste mesmo antes de teres pisado este chão. Que queres mais?"

 "Entre goles de óleo, o Tommy Crow espirrou o teu nome. Bem, na verdade foi qualquer coisa como Elrod, mas eu percebi a ligação. Portanto, a minha pergunta é: Porque diabo andas tu a tentar caçar um elefante quando nem sequer consegues apanhar o rato nas tuas costas? És só estúpido ou estás mesmo com eles?"

"Digo o quê agora? Posso dizer tudo. Na verdade, quero é que te ..das..."

"Vais ser morto com a tua arma, no meio do bando que nunca conseguiste erradicar e dentro de um dia ou dois apanham o chibo na tua equipa, enquanto o Comanche se ri. Não tens a ponta de orgulho?!"

"Diabos me fo...! Acho que vamos ter de chegar a uma espécie de acordo..." sorriu Thomas Hawkes maliciosamente, enquanto Stone baixava as armas.


2 comentários:

Dexter disse...

Bem, li os dois de seguida e tive que voltar atrás para apanhar o fio à meada, já que não escrevias há algum tempo.

Mais uma vez, gostei do registo, como tem sido teu apanágio. Desta vez nem o duelo faltou ;)

Luís disse...

Thanks! Foi um capítulo de ligação, visto que a última parte vai ser mais corrida. Era engraçado ter estes dois personagens a defrontarem-se, mas não queria ter mais uma cena de acção só por ter. A ideia foi dar mais significado e menos estilo.