sábado, 13 de novembro de 2010

Homens Invísiveis


“People who are homeless are not social inadequates. They are people without homes.” - Sheila McKechnie

Os faróis que iluminam a estrada não me procuram e saio-te ao caminho como uma aparição. Não és tu que vejo à claridade. Só quando as luzes se apagam te revelas no frio cá fora. São expressões feitas, onde à tristeza sorris cinicamente. Assim te enganas, nos dias em que o calor não se sente e se gela a alma.

E agora sei que te vou perder por tudo de bom que tenho, sem nada para pedir. Por tudo o que de mau há em ti não serei um mendigo. Não quero entrar, só procuro um abrigo. Não me olhes caído sobre uma arena maior que a tua vida, não receies pelas minhas feridas, pois são só minhas.

Toca-me e sentirás a preto e branco, cenários tão coloridos, que a tua vida te parecerá interessante em comparação. Como se olvidasses o ralo, deixa o veneno transbordar: quero afundar-me nas águas do remoinho, pois à deriva sinto-me a sufocar.

Porque pensas que desisti de viver? Porque te sentes tão afortunado? Sabes se estou aqui realmente? Ou sou alguém quem julgas conhecer?

Sabes? Uns dias por não ter e, acima de tudo, porque é tão fácil esquecer e ser como tu. Acima de tudo, porque se torna tão difícil viver, em consciência, com alguém que não quis ser.

Passarás por mim mais uma vez, iluminado, sabendo que sofri e perdi sozinho. Passarás amanhã nestas ruas vivas, com os náufragos do novo mundo, sem sal nas lágrimas para chorar. Há uma escuridão no caminho, deambulando na noite, que é o meu lar.

sábado, 30 de outubro de 2010

Encostado às Cordas...


Mesmo assim não desistirei de uma luta que tu sabes que nunca irei ganhar,
Contínuo, incessável e urgente, assim é tudo o que a ti me faz amar.

Não sei mais parar, nem ainda assim, alimentar o que nos une de separados que estamos...
Foste o mais árido dos desertos ou o mais vasto dos oceanos,
Perdi-me em ti, sabias?

Sonhei com esses dias, vendo-te feliz, leal e permanente,
Por momentos partilhei-os contigo, sem medo, numa alegria inocente.
Mas, há uma maré nos assuntos do Homem...

De onde deriva tanto a minha desgraça como a fortuna, levando-te para um além,
Desaparecendo e voltando na rebentação, em desdém,

É tão mais fácil cair no sono quando estás a sonhar comigo,
Talvez por isso nunca tenha verdadeiramente adormecido.
Como será acordar contigo?

Eu, pedindo abrigo numa terra sem história,
Tu, um mar sem memória,
Que forte é esta ilusão...

Sem ritmo ou afinação, uma bela e um senão:
Abre os olhos! Eles não me verão.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O rio de sangue

Perder o temperamento nunca fica bem a um homem bom...
"Não, deixa a curva voltar".
Vê-se o calculismo das pessoas nessas alturas. Conhecemos-nos na tensão e quando cada partícula clama por violência.
"Sim, cede à justiça sangrenta. Agarra-os pela jugular e rasga-os da mentira. Olha para o sangue a jorrar... que visão irónica, pois quem derramou o primeiro sangue foram eles. No seu contínuo embuste. Matai-os a todos! Pois te ordeno".
A sombra da traição é implacável quando cai sobre o homem justo. O ridículo usa muitas faces e muitas vezes o ridicularizado jaz caído na lama, cobrindo o semblante. Não que exista maior gáudio para os fracos de espírito do que a queda de quem se tenta, desesperadamente, manter de pé. A face de quem se recusa a mergulhar na ignomínia não será encoberta e desfaz até o mais cínico dos falsos.
"Cometeste um erro. A humanidade não merece o teu lado humano. Voaste para lá do sol antes do tempo. Não te deixes condenar ao esquecimento, alheio à tua própria natureza. Ordeno-te o assassínio. Eles são um exíguo sacrifício ao Minotauro. Ordena-te ao assassínio. A besta o exige. O nono círculo do Inferno se reserva aos traidores."
E assim, termina uma odisseia malévola, com o abandono de tudo o que é bom e puro, dando lugar à tormenta na costa tranquila. No entanto, não estaria certo roubar água ao Oceano, pois que para esses há, de facto, mais terra que mar...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Canção do Caos


Chaos often breeds life, when order breeds habit - Henry Adams

Do alto das tuas muralhas me observas cá em baixo, onde te aguardo no abismo da luz,

Entre reflexos de incandescências voando em espiral. O vento é negro e encandeia-te o olhar, desfazendo-se em brumas... sequioso o soturno respirar te envolve a índole,

Ouve o trote do meu áureo corcel.

"Acorda do teu transe e sopra o escuro até ao luar": ressoam os passos deste hipnótico cavalgar.

Conversando sem sentir não irás longe.

"Acorda e deixa-te viver", sentindo na minha fala um brilhante sibilar... vem comigo nesta estrada de nebulosa,

Anda... sem recear.

"Acorda neste celeste despertar"... Escorrega para a espiral e balança o meu eixo, sacode as fundações do teu soturno cativeiro...

Cura o sono e deixa a febre assomar.

Na companhia da morte passam Éons em minutos, foge da prisão astral, encontra em mim a tua força vital, e subiremos juntos este eterno rio de luz.

Há espaço na esperança para nós: púrpura, vermelho, carmesim até acenderes a chama - Há tempo na ventura para nós: negro, cinzento e branco respiras ao nos desfazermos no ar.

Somos absoluto no relativo, pairando sem gravidade, numa pureza sem sentido. Uma luz no universo, tu és o calor no meu peito e eu o espelho do teu acordar. Unos estaremos enquanto o destino nos quiser separar. Morremos para viver, renascendo numa ideia em que sonhamos estar.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Deus Ex Machina


Os céus caem e o sonho desfaz-se,
sou hoje tão vazio como tu,
não há outra face.

Sós,

Cavalgámos o trovão,
enquanto o tempo nos libertou,
tão breve como um relâmpago.

carregamos

Estas linhas que te encontrarão e
mostram o símbolo da tua traição.

a

Qualquer sombra de penitência verei um embuste,
próprio da tua esquálida natureza.

Cruz

Da ironia de nascer para perder,
o pior é saber que tudo assim continuará,
o sangue torna-se agora electricidade,
e isto o meu túmulo branco de Agra.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Austrália


Descobri o calor debaixo do sol ardente,
do outro lado do mundo nessa terra nua e selvagem como a serpente.

O dia ergue-se sem pejo sobre uma linha verde e sente-se vida a ofegar no seio da floresta,
levada nos braços da montanha à garganta do oceano fluindo por uma fresta,

Passam anos por riachos e ribeiros em dias de monção,
quais aguaceiros alheios a um sem fim de Verão.

Uma gruta escondida atrás da sua nascente perdida,
desce a uma praia deserta,
banhando o horizonte até onde o grande coral desperta.

Quero provar o sal da alma neste fugaz paraíso,
sonhando para me encontrar num interminável sorriso,
onde o murmúrio do ocaso é o doce soçobrar de tardes sem igual,
segredando pelo céu o caminho ao mistral.

Esqueci na noite densa,
libertando-me da minha pertença,
pois foi este solo que me cultivou de passagem,
suave e sem pressa, porque a vida é uma viagem,
a que quis fazer,
navegando, Austrália, para te ver.

Aos
navegadores portugueses que em 1606 reconheceram a existência deste continente,
Luís Vaz Torres e Pedro Fernandes de Queirós.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Viajando em Ti


Se a vida fosse uma estrada molhada patinavas para os meus braços?

O negro alcatrão escorrega aquoso como o leviano prazer da tua companhia, pois o fim anunciado da nossa não tão inocente jornada é apenas o pêndulo, deste relógio sem horas nem descanso.

Se ao menos lêssemos os sinais... um código demasiado complexo para onde vamos, desregrando tudo o que um dia queríamos ser.

O que achas que acontecerá quando já não pudermos dizer o que realmente pensamos?

Quando ao cruzar de um olhar descobrimos que fomos longe demais. Seria como mentir, ao não confessar o ciúme do tipo que te guia. No entanto, nessa estrada basta um ligeiro desvio para mudares de via.

Ou não. E seremos estranhos passageiros do óbvio, numa viagem sem curvas nem destreza, até finalmente desaparecermos no horizonte. Não, nada disso.

Fala-me do que te move, não te permitas insultar a inteligência, espera até saires fora de alcance e deixa-me perseguir-te, pela estrada fora.

terça-feira, 20 de julho de 2010

O Nosso Exílio


Queda-se imóvel o olhar...
Sinto-me enternecer nas tuas palavras, o seu som levado no vento por janelas abertas.
Aquelas que não voltarás a proferir, pois sabemo-las pairando sobre o dossel,
ecoando todos esses tempos mudos.
Colhendo-nos do mundo, para qualquer lugar... Onde te adormeço em doces cantigas de outro cantar e, quem sabe, no beijo que já não te posso negar.
Preciso de ti agora rendida num suspiro... onde mais podemos ser nós?
Quero perder-te a vista atrás das cortinas, onde só o sol e a brisa podem entrar.
Ver-te no espelho onde as sombras são o nosso complementar.
Tu eras luz sem brilhar, nos dias do meu acordar.
Imutável fiquei, no teu remoinho de mudança, perdido nas conversas de outrora e encadeado pela alba da temperança.

Queda-se imóvel o olhar...
Sinto-te a desaparecer das minhas memórias, a tua visão pelo postigo.
Daquela porta por onde não voltarás comigo. Lá fora a chuva cai na alma, sem abrigo.
Rendendo um suspiro sem sentido... onde já há muito fomos nós.
Retiraste-te sem ceder, sem medo, com tudo para perder.
Dançam as cortinas e o espelho mostra o vazio do meu adormecer.
Inabalável serei, no meu oceano de esperança, deambulando pelo soturno anoitecer da vingança.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Tempo para ler

Tempo para falar, tempo para dizer,
tempo para explicar, tempo para
perceber. O que esperas
encontrar? O que
esperas saber
?
Eu
Não o tenho
Tu também não.
Mas, posso-te mostrar,
Que enquanto lês, pensas que
não é por estares a ver aquilo que achas
que nunca irás ter para me oferecer.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Russian Circles - Enter

E vocês dizem: Quem é este doido e porque continua ele a dar música para ninguém ouvir. Ora, eu respondo: Porque é tão fixe que vale a pena por na net mais uma vez. Só o nome encanta, tirado da faixa épica de Ennio Morricone, os Russians Circles pediram-no emprestado e ficou uma espécie de single para o primeiro da banda, Enter. Ele aqui está e o clip en vivo também...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Pontos sem nome numa linha que não some



Sem ele venceremos. Unidos falharemos. Subindo pelas nuvens, cairemos. A nova inteligência é amar? Não, é sobreviver para não estar. Amanhã não voltarás.

Isis - Wavering Radiant

Aqui está uma das bandas do momento. Isis estão em grande forma como comprova o seu último registo de originais, Wavering Radiant. Aliás, a sequência "Panopticon, In The Absence of Truth" e Wavering..." é fortíssima, valendo cada álbum por critérios e méritos diferentes. E é interessante constatar que o percurso da banda se iniciou pelo sludge metal para culminar num post rock ambiental, de texturas complexas e riffs poderosos... Fica o video de 20 minutes/40 years ao bom estilo de Tool e o álbum aqui.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Pensamento auto-destrutivo do dia

Como tenho que escrever qualquer coisa entre músicas (o próximo conto ainda deve demorar)...

"Será que me safava se voltasse para casa em contra mão?"

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Daturah - Reverie

Para o fim de semana, deixo-vos com post rock à séria. Na senda de muito do que determinou a sonoridade do género, mas tudo o que é bem feito também é raro, hoje em dia. Os Daturah são um conjunto alemão que já vem provando a sua força além fronteiras. O seu segundo registo de estúdio, Reverie, consegue mesmo superar o primeiro, auto intitulado, e fica como um dos álbuns de 2008. Baixem e fiquem com a fantástica Hybrisma...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A Máscara: Conclusão – La Casa dalle Finestre Che Ridono

Se leram até ao fim lamento desiludir-vos (ou não mesmo) que a ficção acabou no “finalmente”. Antes, impõe-se uma nota final, um agradecimento especial ao Zica, que incentivou a desenvolver esta história, viu-a para além do que eu vi e fê-la dele antes de ser minha.

Originariamente, escrevi as duas primeiras partes como uma reflexão, um pensamento meio solto, meio dirigido... como já estão habituados, certo? A premissa base era a de uma mulher vítima de um crime violento, neste caso a violação (não que se pretenda banalizar ou sequer retratar, mas o oposto) e o modo como isso a transforma. Mais universalmente falando, a tónica da história está no modo como as pessoas lidam com os seus traumas.

O tema da máscara pareceu-me adequado e foi usado como título pela simbologia, que unifica os dois lados do trauma, a vítima e o agressor (ou assassino...). Como muito do que escrevo aqui, este paradigma é um exemplo absoluto, destinado à relativização, isto é, ninguém é imaculado, todos são capazes de se identificar numa situação traumática. Todos usamos máscaras e só as tiramos ou mostramos, a quem e quando queremos.

Se nas duas primeiras partes, essa ideia é vaga e etérea, a partir daí torna-se bastante mais palpável. Ambas as personagens têm um passado que as marcou de alguma maneira (Laura com o abuso do corpo e Carlos abusado por Laura) e tentam-no mascarar. O crime, o trauma, só vem tirar essas máscaras e mostrar a “face” alterada das personagens. Veja-se: Ela escolhe reagir através de uma postura agressiva contra todas as pessoas em geral, sonhando até estar na pele do assassino (na “realidade” não tinha morto ninguém, mas, figurativamente, Laura sentiu que uma parte dela morreu e reviu-se nesse prisma), acabando por se tornar “nele”; Carlos foi magoado por ela e acabou por ser a violação a reuni-los, a fazê-lo estender a sua mão de novo, acabando por sair mal outra vez.

Aliás, o caminho e as mudanças que os personagens tomaram, já estava dentro deles: Laura ao início, teve uma premonição, de uma mulher de escamas que lhe dizia algo; e ele optou sempre por voltar para junto dela, só para ser afastado. Portanto, tratou-se um ciclo, desenvolvendo-se a narrativa dentro dele. Sendo as 2 partes iniciais a premissa base de toda a história (vagas e ao mesmo tempo precisas, como se fossem um sonho tornado real...): um crime; uma mulher altiva e manipuladora; e um homem que não a pode ter, sabe disso, mas por sina, fado ou destino é atraído para ela como o metal para o íman.

No fim, acaba por ser um pouco a história de todos nós ou pelo menos a minha, já que me assumo como um romântico inveterado. A humanidade construiu-se a lutar contra o destino, sempre a desafiar o impossível. Este pseudo conto revê-se nisso, ainda que, numa visão bastante pessimista.

PS: os sub-títulos em italiano são obviamente referências ao cinema choque de terror e mistério (giallo e zombies) dos anos 70. Só para reforçar o aspecto sórdido da narrativa.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Máscara: Parte VI – La Maschera Del Demonio


Debaixo da luz trémula do quarto de hospital, onde Laura se encontrava, Carlos olhava pensativamente para o seu reflexo na janela, parecia uma figura de cera derretendo-se, no efeito da chuvada que caía nessa noite. O escuro da noite era uma capa negra, sobre as várias camadas de água escorrendo-lhe pela face na janela, uma e outra vez, como se o seu semblante lhe caísse aos pés, mas continuava lá... com aquele sorriso malévolo, pensou Laura.

A sua pele eriçava-se ao olhar para ele, arrepiava-a imaginar-se no mesmo quarto que o homem que lhe havia invadido o corpo, quebrando-lhe a dignidade. Agora estava ali, como uma estátua, panopticamente, vigiando-a, perscrutando os seus sonhos, inspirando o seu ar, mantendo-a numa prisão de sufoco. Ela sabia. Ele dera-se a conhecer. O disfarce não o era, a máscara era a sua verdadeira pele. Um animal de sangue frio, um colosso entre as mulheres e uma fraca desculpa para homem. Ela conhecia-o.

Fingiu uma ida à casa de banho para – aproveitando a sua distracção – escapar daquele quarto. O corredor encontrava-se deserto e Laura segue-o, titubeante, procurando por ajuda. O odor forte a éter e os gemidos ominosos, vindos dos outros quartos, provocam-lhe tonturas nauseantes. A luz branca do corredor encandeia-a e as forças começam a abandona-la. “Ele não tarda aí... caminhando impavidamente, fazendo ouvir os seus passos como um batimento cardíaco, perseguindo-me, implacável, imparável”, ele virá, disse para si.

Reunindo as suas forças, abre a porta para a escadaria e começa a trepar os degraus para o primeiro andar. “Ele pensa que eu vou tentar fugir para baixo, mas escondo-me num dos quartos de cima – uma agulha num palheiro...”. Com a lâmpada de emergência fundida, subir no escuro até ao patamar de cima era um esforço sobre-humano. Ardia, de cada vez que arrastava o cotovelo ensanguentado pelo chão frio, no entanto, já conseguia ver luz irradiando pela fresta da porta do primeiro andar. Só mais um pouco... Mas, já não estava só, o estrondo da porta debaixo a bater, penetrou-lhe os ouvidos como um choque eléctrico.

“Laura? Estás aí?”, chamou Carlos. Não fazia ideia onde ela podia estar. O pânico que sentiu quando deu conta da sua fuga, assombrou-o com a potência de dez cafés e mesmo assim, subia pela escuridão, lento e medroso. Onde estaria ela? Não. Porque fugiu? As perguntas ecoavam na cabeça e nem depois de alguns passos se apercebeu que o chão estava escorregadio, do suor e sangue dela. Pára, de súbito, chocado pelos olhos vermelhos brilhando atrás do cabelo negro de Laura, espigado e desgrenhado como palha. Furiosa como a face do demónio, investiu sobre ele.

Mecanicamente, soltou um gemido à passagem de Carlos. “Estás aqui...”, exclamou ele, sorrindo. Quando percebeu o que tinha de fazer, já o havia feito. Empurrando-o, sem a misericórdia que o assassino nunca demonstrara, do patamar abaixo. Exaltando-se em gáudio, num clamor mental ao ver o crânio embater contra o vértice da escada, esvaindo-se no vermelho do sangue. Estaria tudo acabado?

Olhou à sua volta encontrava-se agora rodeada de capuzes negros sussurrando entre si:
- “Matou um homem...”;
- “Alguém que chame a polícia!”;
- “Louca...”
- “Só pode!”
- “Agarrem-na com força”
Incapaz de ver as suas caras, a última memória sã de Laura foi a visão do quarto branco onde a fecharam. As almofadas na parede reconfortavam-na, sentindo-se amparada e a luz áurea e forte nunca se apagava, para manter as trevas ao longe. Estava segura, finalmente.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Ulver - Shadows Of The Sun

Dos melhores discos que já se lançaram neste milénio. Sem espinhas, sem exageros, Shadows of The Sun é brilhante, soturno e melancólico. É o registo mais intimista dos Ulver e tem aquele condão, de tudo encaixar, desde de o ambiente à capa, Shadows of The Sun mantém o nível de qualidade num universo aparte. Infelizmente não encontrei registos ao vivo dignos da chancela deste álbum pelo que fica a versão de estúdio da cover dos Black Sabbath, Solitude. Baixem aqui, mas fica a dica: este merece ser ouvido em toda sua glória, por isso comprem que não se vão arrepender.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Máscara - Parte V: L'Aldilà


Na maior parte das vezes ao imaginarmos a dor forte de alguém, pensamos em algo que soa tão terrível que, se acontecesse connosco uma parte de nós morreria, como se nos tirassem a razão para viver. Carlos olhava solenemente para Laura, à espera de ver uma ferida aberta, como se a pudesse fechar, com tempo e preserverança. Não. Esta era completamente diferente – Nesse instante, Laura abriu os olhos e viu para além da vista...

Tinha sido deixada numa estrada escura, iluminada ao longe por uma candeia. Olhava em volta e via o bafo da sua respiração, mas não estava frio. Não se sentia em si, os movimentos que fazia não eram os dela e não conhecia medo, nem desconforto naquele lugar. Era parte dele. Vestia o negro da noite e gelava tudo ao seu caminho, aproximando-se, a passo, da luz. A candeia de petróleo iluminava uma cabana de madeira, no meio das árvores. Passou-lhe a ironia, de que a floresta escondia a prova da sua morte pelo homem.

Andando pelo ar, sem se mover, pegou na candeia e entrou. Lá dentro, parecia-lhe a casa maior do que tinha julgado. O chão não o era, e a terra barrenta continuava a amparar-lhe os passos, em sulcos. As paredes interiores eram feitas de troncos finos, como grades de prisão. Parada na ombreira da porta, Laura respirou o silêncio... até que quietude das trevas foi interrompida por um gemido, logo seguindo-se o soluçar, gradual até se dissolver fluidamente num choro copioso que conhecia tão bem.

Deitada em cima de uns trapos velhos, estava uma rapariga ferida e acorrentada ao chão. Não tinha mais que 20 e poucos anos, os cabelos louros tinham sido pintados de verde, com as latas de grafitti que estavam espalhadas em redor. Aliás, ao pendurar a candeia, na trave de suporte ao telhado, notou que toda ela tinha sido pintada.

De súbito viu-se a pegar fogo aos trapos, imolando a pobre mulher, que se contorcia e debatia em vão, gritando de dor como nunca tinha ouvido alguém gritar. A cena durou longos segundos, talvez até minutos e Laura continuava a não sentir nada, mesmo sabendo o crime hediondo que havia cometido. As chamas eram superficiais e quando a pele que cobriam esturricou, a mulher ainda tinha uma réstia de vida. Como se fossem escamas esverdeadas, viu os seus lábios proferirem num último suspiro: “Eu conheço-te...”

Voltou costas àquela cena e viu-se de frente ao espelho, envergando um capuz negro e uma máscara branca, enquanto escutava em eco o som das suas próprias gargalhadas. Laura viu tudo isso pelos olhos do seu opressor... ainda perdida no ruído tenebroso do seu gáudio, acordou. E naquele instante em que o sonho se confunde com o real, o sorriso pálido da máscara decalcou-se em Carlos, que lhe segurava a mão. “Eu conheço-te...”, disse ela, sem medo ou terror, antes de voltar a cair no sono dos sedativos.

terça-feira, 6 de abril de 2010

A Máscara - Parte IV: Intermezzo


O cheiro a éter começava a incomodar-lhe os pensamentos... estava há 2 horas sentado no mesmo banco de hospital, enquanto aguardava que Laura acordasse. Carlos não conseguiu deixar de se sentir estranhamente nostálgico ao ver o seu reflexo no chão polido do corredor; seria esse o rosto que ela conhecia? Passaram dois anos, desde o dia que se despediram. Dois anos seriam mais dois nos seus 32, ainda assim, havia uma mágoa, um sabor agridoce que ficava quando pensava nesse dia. “Tinha ido vê-la para lhe contar do emprego novo, estava tão aliviado por ver a sua vida andar outra vez. Ansiava pelo orgulho dela, por lhe mostrar que não era um falhado. Ela sorriu, condescendente, quase indiferente”.

A enfermeira tocou-lhe ao de leve no ombro e fez-lhe sinal para entrar. Não sabia o que esperar, não lhe voltavam à memória as palavras certas para dizer. A desconfiança, o medo e o egoísmo toldavam-no no seu âmago, não estava ali só para a ajudar, antes estaria para a confrontar. Porque, se o tivesse aceite, se o tivesse deixado protege-la, não estaria ali sedada e quebrada.

Haviam 3 dias desde que tinha sabido, por amigos em comum, do ataque. Ela parecia tão frágil e pacífica agora. Queria passar-lhe livremente a mão pelos cabelos, de um castanho quase negro, suave e carinhosamente como tantas vezes desejou fazer. Queria segurar-lhe a mão e sentir-lhe a pele delicadamente branca e fina. Podia fazer isso tudo sem ser afastado por ela ou pelo que restava da sombra de uma mulher fria e bruta.

Lá fora ouvia pessoas a cirandar, a urgência de vidas para salvar, de corpos a tratar. Aqui ninguém se mexia, nem ele nem ela iriam a lado nenhum. As suas almas estavam imóveis e naquele momento a sua mente divagou, numa espécie de zapping, lembrando-o do que foi apaixonar-se por Laura: Quando a conheceu, ela estava num farrapo emocional, desesperava por um ombro forte. Deu-lhe o melhor de si e cuidou de a reabilitar. Depois, foi dispensado, vagarosamente, sem saber porquê, até descobrir que havia mais alguém. Hoje usaria uma máscara para disfarçar a sua amargura.

Olhava agora fixamente para a sua face adormecida, dócil, mas gasta e pesada... não era essa a sua verdadeira face. Disseram-lhe que após ter falado com a polícia, não voltara a proferir duas palavras seguidas. Carlos não conseguia imaginar o terror por que ela tinha passado. Estava imponente para fazer alguma coisa, para a fazer esquecer. “Queria voltar a ser o seu salvador, mostrar-lhe a sua utilidade, a sua lealdade”...quando ela finalmente acordou.

domingo, 4 de abril de 2010

Maserati - Inventions For The New Season

Mais uma daquelas bandas de ninguém ouviu falar... só que deviam ter ouvido. Maserati é muito à frente e este álbum marcou um post rock mais ácido, tipo Floyd meio speedado. Vejam a Show Me The Season ao vivo e baixem para uma voltinha.

segunda-feira, 29 de março de 2010

A Máscara - Parte III: Suoni Dissonanti


Eram 5:55 no relógio despertador e Laura abriu preguiçosamente os olhos. Numa sensação de desconforto, foi relembrando lentamente o sonho dessa noite. O onírico misturava-se, nebuloso, com o real, na ténue fronteira do despertar. Via-se a si própria num quadro em movimento, ostentando uma máscara e por baixo dela, no lugar da pele, estavam escamas reptilianas... falando sem se ouvir, num mexer de lábios silencioso.

Depressa afastou aqueles pensamentos da cabeça, levantando-se, num misto de repulsa e medo. O quarto, envolto em escuridão, era uma pista de obstáculos até chegar à persiana. Pé ante pé, puxa a correia e, num movimento brusco, ela parte-se na sua mão. - "porra para esta ...da de dia!", praguejou. Voltando-se para trás, frustrada com o sucedido, procurou sair do quarto. Chegou à casa-de-banho, lavou a cara e olhou-se pensativamente no espelho. Era uma sombra da figura exuberante, atlética e saudável que antes fora. Anos de abuso, deixaram-na magra e desgastada. Durante esses anos, aquele espelho assistiu ao seu declínio.

Deixou a luz acesa e saiu para o corredor, ainda a pingar, quando toca a campainha. Apanhada de surpresa, veste o robe e sem ver, abre a porta. Ninguém. O Hall permanecia mudo e pacífico. Enervada, empurra violentamente a porta e volta costas, para o corredor, quando se lembrou que não ouviu o bater da porta. Antes de perceber o que quer que fosse, sente um puxar nos cabelos. Nessa fracção de segundo, solta-se, instintivamente, correndo desesperada para o quarto, só para escorregar no chão molhado.

O embate de peito contra o piso tirou-lhe a respiração por momentos e sem conseguir gritar por ajuda, sente-o em cima das costas, tomando-a em força como um animal selvagem. Queria desmaiar ou qualquer coisa que lhe tirasse a consciência - "era melhor não saber, só esquecer", pensou Laura, ao vê-lo lá no fundo pelo espelho iluminado da casa-de-banho, escondendo a face atrás de um disfarce de branco pálido. Ouvindo-o suspirar de prazer, na expressão imutável da máscara. Perfidamente, lembrou-se do sonho...

Red Sparowes - The Fear Is Excruciating, But Therein Lies The Answer

Este é o meu novo vício. Que excelente novidade deste super-grupo que já conta com 3 ou 4 alinhamentos diferentes, acrescentando sempre algo relevante à sonoridade, evitando os excessos e a repetição. Red Sparowes foram sempre ambiciosos, criando registos épicos em que cada canção, instrumental, corresponde a uma frase de uma história, definindo a temática do álbum. Desta vez, o destaque vai para a canção no individual, não descaracterizando o colectivo do registo, mas claramente roubando-lhe protagonismo. Vejam, baixem e comprem (sim que longe de mim incentivar à pirataria) que até vem com uma digipack bonita...

PS: O vídeo é da Buildings... que figura no 1º álbum da banda (At The Soundless Dawn)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Nem as minhas regras cumpro...

E ...ta que pariu! não consigo manter um blog actualizado. Falta paciência, falta eloquência, falta tudo, até o chá...

Há dias que são bons, para fazer um valente manguito ao mundo e voltar costas. Isso e pedir uma indemnização ao criador por nos ter dado consciência.

Digam-me se não é uma ..da quando nos apercebemos que valemos um zerinho redondo neste mundo.

Vá lá a trepar juventude!!! Que amanhã tens onde estar!!!

E segue a emissão...

sábado, 20 de março de 2010

A Máscara - Parte II: Una Serpente Con La Pelle Di Donna


Passaste por mim e nem te vi. Falaste-me, contaste-me histórias, mostraste-te sem te deixar olhar. Ergues-te altiva, uma víbora pronta a atacar. Quem se esconde por trás da máscara? O que escondes atrás da máscara?

Esses pequenos olhos hipnóticos são o teu toque invisível. Ao longe o gelo não queima e no calor do momento mantens o sangue frio. A tua cabeça é a última a deixar-se conquistar e respiras as feromonas da erva do diabo. O que te fizeram a ti farás ao próximo, escondendo as escamas em pele de mulher. Atrás dessa máscara estás segura?

Perderás a pensar que ganhas. És perfeita, sem dúvida, mas sem mim és só tu. Vendes-te barata e fá-los pagar caro... como é fraudulento o câmbio em sexo. Atrás dessa máscara és feliz?

Estás sozinha no presente, olhando para o passado, enquanto o futuro passa diante de ti. Enquanto eu passei por ti. Levar-te-ia para Ixtlan e, ao invés, escolhes o caminho das facilidades. Sabendo que te trará a desgraça. Em viagem demoníaca embarcaste? Que mundo vês atrás da máscara?

Ela nunca poderá ser como tu, mas escolheste-a para te dar. Ela é ouro e diamantes, deixando-te no breu para me encadear. Ela é uma barreira de titânio, forte demais para eu quebrar. Com ela és uma marca impossível de apagar, um preço demasiado alto para pagar. Nela vês o oceano numa gota de água, uma sede que não posso nunca saciar.

O torpor do corpo ganhou perante o estupro da alma. Neste tabuleiro humano, o peso dessa máscara deixa-te jogar, sabendo tu o terror de sonhar mais alto, que é cair naquela casa.

A Máscara - Parte I: Paora In La Casa Del Terrore


Ninguém lhe tinha dito o que sentir, por isso não sentia nada.

Ninguém lhe tinha dito para onde olhar, por isso olhava para o vazio.

Ninguém lhe tinha dito para gritar, por isso sofreu em silêncio.

Sangue do seu sangue veio e se, se ao menos tivesse gritado...

A sua vida mudou nesse dia e a sua alma ficou nessa casa. A noite escura brilhava lá fora, frente à janela embaciada...

A sua respiração parou, quando de palmas abertas, ele percorreu as suas costas e cada centímetro pelas suas pernas. A luz, como num vácuo, foi sugada pelo tecto. As mãos dele, como garras, cravaram-se nela. Num momento, tudo o que sabia da vida desapareceu, tudo o que conheceu deixara de existir.

Não sabia o que retirar da expressão dele, não podia ser de prazer, não podia ser ele. Era a casa, um espírito maligno que o possuiu e agora ordenava-o para que lhe fizesse o mesmo.

O seu terror mudo eventualmente terminou, mas aquele momento ficaria para sempre. A textura rugosa do tapete, o branco da parede, num piscar de olhos era tudo vermelho. Sangue jorrava, num tecido vivo, respirando, ofegando. Clamava por ela, desejava-a, olhando-a faminto com mil olhos.

O suor dele empestava a sua roupa interior. Os grunhidos luxuriosos eram vozes sobrenaturais, ecoando na sua mente. A sua pessoa um espectro vivo, deambulando sem propósito nesse mundo morto, cuja existência, de súbito, se apercebeu. Estava tudo naquela casa...

quinta-feira, 18 de março de 2010

This Mortal Coil - It'll End In Tears

Há dias que só apetece chegar a casa e ouvir isto... This Mortal Coil é o Supergrupo da pop alternativa dos 80's. Baixem aqui que não se vão arrepender...

segunda-feira, 15 de março de 2010

Spandau Ballet - Journeys to Glory

Ora, mesmo antes de ter ouvido Tony Hadley a falar no telejornal, sabia que em qualquer rúbrica sobre os 80's tem de constar Spandau Ballet. Foi das primeiras que ouvi deles e Journeys to Glory é um clássico do Neo Romantismo. Portanto, to cut a long story short... baixem aqui a edição especial.

sexta-feira, 12 de março de 2010

A Selva


"Quando, dos Descobrimentos veio o ouro, deixou de existir competição, ficámos isolados do resto do mundo, tudo o que gastámos foi para compensar cegamente os anos de pobreza e tensão, já aí orgulhosamente sós"

"Numa relação desigual uma das partes vive no anseio, pelas migalhas que a outra deixa para trás, numa tensão surreal que leva ao fim da vida a dois"

Andávamos, rastejávamos e trepávamos por esta selva há meses. A M4 pesava no coldre que, gradualmente, se fundia com o meu ombro, o suor queimava nos olhos e as picadas de insectos já não causavam comichão suficiente para nos fazer levantar o braço e coçar. Neste inferno verde, húmido e sufocante, encontrámos a morte, não às mãos do inimigo como o foi pelas da doença, fome, sede e exaustão. Sozinhos, neste paraíso sem proibições nem frutos, deambulávamos, rendidos à distância. Numa guerra vazia.

De uma unidade de 10 homens, só 4 sobravam ao fim do sexto mês na selva. Percorríamos um trilho infinito de floresta virgem, sem saber bem para onde se encaminhava. O mato não dava respostas, ao invés, segredava-nos silenciosamente que o inimigo esperava, furtivo, na tela verde que se erguia diante de nós. Era um labirinto alimentado a clorofila, com vida própria... nós sabíamo-lo e eles também, só precisavam de nos ver baixar a guarda para atacar. Viriam camuflados, de folhas e troncos, de terra e espinhos. A paranóia era a nossa última linha de defesa.

No fim, só sobrariam dois. Num vulgar tu e eu. As nossas conversas seriam mais iguais a cada dia que passasse, os nossos problemas manter-se iam, independentemente do esforço conjunto, e as nossas limitações seriam ainda mais evidentes neste plano hostil. O nosso mundo fitológico, condenar-nos ia à perdição. Tu irias sucumbir à fraqueza e cobardia, aproveitar-te-ias da minha humanidade e por asilo e refúgio me venderias ao inimigo... entregando-me a uma vida vazia.

Num dia abençoado encontrámos a nascente, cujas águas saciam a sede e curam as mágoas do corpo e da mente. Perante a sua visão pensei tratar-se de uma miragem, mas senti o resplandecer e a vitalidade na sua pureza. Foi como se tivesse acordado de um sono prolongado. Senti as marcas da desconfiança e do medo, senti a falta de mais alguém. Via-te agora do outro lado do reflexo, no charco, nas profundezas. Só, sentindo também a minha falta, sem que já nada pudéssemos fazer.

De repente, o inimigo já não importa, estamos descansados e a paranóia não faz sentido. Tudo é muito mais fácil, distantes que estamos, separados pela linha de água.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Roxy Music - Avalon

Há qualquer coisa de fantástico neste álbum. Já há muito que o glam dos Roxy Music se estava a gastar e o mainstream falou mais alto. A melhor pop dos 80s foi o canto do cisne para a banda, mas que canto... Para ouvir num mp3 perto de si: Avalon e a polidíssima More Than This.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Nas Asas do Desejo



O ar rarefeito da montanha corta-me, aos poucos, a respiração. Ofegando, trepo pelas rochas, com as mãos em chaga. Tão frágil, tão lamacenta, a terra se desfaz por entre os dedos e por cada centímetro que subo, caio meio. O tempo passa tão devagar quando olho para cima e o céu parece sempre tão longe. Onde está a luz? Que a chama em mim teima em apagar-se...

Não acreditei quando a caminhada acabou. Deitei-me, encolhi-me e cedi à exaustão. Dias depois, acordo, numa poça de suor. O sol brilha lá no alto e olhos ardem como se estivesse a ver pela primeira vez. Vales e vales, uma cordilheira de montanhas, centenas de picos, planaltos e escarpas, se estendem a perder de vista. O horizonte, perscrutava-me transfixo, para onde quer que me voltasse.

Num momento a vida muda, todos os planos, todo o crer desaparece nesse instante. O mundo reduz-nos à nossa insignificância e deixa-nos prostrados no mesmo chão duro que tememos até então. Rezei, pedi e tentei legitimar esse desejo, que persegui durante anos. Agora já não faz sentido... perdi-me nessa imensidão.

E desfeito, pedi-te. Implorei-te por ajuda, por orientação. Envergonhei-me da minha ilusão e escolhi a tua: "Ajuda-me Senhor, mostra-me o caminho porque estou perdido. Se é isso o melhor para mim não me deixes parar agora, dá-me força, dá-me asas".

O sol apagou-se e no escuro brilhei com a luminescência de mil centelhas. Como um Deus menor, olhei para as trevas e avancei sem medo. A minha vontade iria prevalecer... foi essa a tua ilusão, porque, me atirei para o abismo do meu desespero. A subida, que fiz a tanto custo, pareciam escassos metros na queda.

O que custa mais quando o fim é eminente? Fica a inconformidade por algo que desejamos com todos os poros e nos é vedado, não por vontade de outrem, mas por incompetência nossa. Minha. Desejava agora mais que nunca, encontrava conforto no sonho impossível, via-o diante dos olhos. Ignorando o ar gélido da descida, a força avassaladora da gravidade e o racional, cresci as asas e voltei a erguer-me em altitude. Elas guiaram-me até ti...

...mas acordo, num movimento perpétuo e mecânico, levanto o braço dorido e alcanço a rocha. A caminhada continua.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Prefab Sprout - Steve McQueen

"Um dos melhores álbuns dos anos oitenta", ouvi há tempos. E não é que é mesmo! Paddy McAloon fica conhecido como um dos melhores compositores de pop, desde Lennon e McCartney e canções como Appetite, When Love Breaks Down, Goodbye Lucille #1 e Faron Young são rodadas até ao ponto de irritar. Senhoras e senhores, para vosso gáudio auditivo: Steve McQueen. Vejam o lado mais intimista e solto dos Prefab Sprout neste video de Bonny.

terça-feira, 2 de março de 2010

21/115


Às vezes parece que tudo na nossa vida se resume a números, quantitativos universais, que projectam as nossas ambições ou decepções para estados de satisfação ou descontentamento. Esses também, desejavelmente, calculáveis. Procuras assim evoluir? Ter mais? Ser mais?

O que significa este algoritmo? É ele a expressão de alguma coisa? Porque não me sai da cabeça? Será que com a sua inabilidade para se exprimir quantitativamente, a sua memória é uma efemeridade? Ou permanecerá intocável no mistério que encerra?

Não consigo calcular-te ou ignorar-te, racionalmente. Estou satisfeito? Descontente? Não, claro que não. Quero conhecer-te. Sentir-te decifrada nessa expressão. Sem romances pueris, sem promessas exponencialmente impossíveis. Não vou insultar a tua inteligência. Não serias tu sem ela.

Nesta antítese me confesso, sobre este paradoxo emocional, te peço compreensão. 21/115... te declaro, epíteto de calor e vento, promessas não ditas, mas pensadas, do cimo de uma ponte de ferro, em que andarei, sentado para nunca voltar só.

21/115, descobri-te numa simples equação, em que os números não significam nada. Mas, se quiseres te digo, que dois mais um fazem o número perfeito e que um mais um são dois, pelo que sem a tua perfeição ficaremos sempre aquém de todo esse potencial. Faz sentido?

Claro que sim, se não pensares em números, em unidades, distâncias ou volumes. Tirando isso, o resto somos tu e eu. Nem um nem dois, só “nós”, num egoísmo partilhado em que terei sempre o que quero... para te dar.

Afinal, vês? Nem tudo na vida se resume ao que conseguimos guardar no bolso...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Japan - Tin Drum

Continuando com os queridos e fofos anos 80, fica aí uma banda esquecida, que os tempos modernos se encarregaram de lembrar. Um luxo que era ter Jensen, Karn, Barbieri e Sylvan na mesma banda, tão grande que não sobreviveram ao sucesso do seu melhor trabalho. Só para vocês: Tin Drum.

Fiquem também com mais esta dos Japan... simplesmente assombrosa...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Crominhos da Bola #1 - Bêbado da Vila


Éppppppaaaa é sexta feira... yaaawwnnn...

Bem, agora que tirámos isto do caminho, vamos inaugurar uma rubrica nova! IIIaaa que fixeee!! dizeis vocês, mas sim e coiso, isso não é meio ofensivo? Ao que eu respondo: É preciso ter lata amigo!!! Vão dizer que não olham para o lado e se riem (isso no caso de serem gente de bem e educada) quando vêem passar um, belo e descordenamente perfeito, cromo da bola...

O bêbado da Vila é aquela figura mítica, que vagueia pela casa de pasto ou taberna do bairro, bebe uma dúzia de ginginhas e começa a cantar o hino. Da minha experiência, já lhes conheci várias pancadas: ora uns assim que deixam de processar os vapores do álcool metem-se à estrada e é vê-los a reclamar com a vida e com o governo, a dizer que o autocarro nunca mais passa; outros aderem de súbito ao budismo e decidem livrar-se atabalhoadamente dos pertences materiais, a começar pelas calças; já vi um partir para o meio da estrada e desatar aos murros ao vento... esse malandro.

Ainda assim, a imagem que me vai ficar para sempre é o bebedolas, que por acaso conseguiu apanhar o autocarro, vermelho que nem um tomate maduro, passar a viagem a rir-se de uma senhora gorda (e até parecia cigana). Era a figura de um Humpty Dumpty para adultos, mas deu-lhe para achincalhar a coitada. Escusado será dizer que acabou a viagem mais cedo, sob pena de levar umas bolachas para molhar na pinga.

Duran Duran - Rio

Mais uma lembrança dos queridos anos oitenta. Não liguem às Britneys e Backstreets, estes são os reis da pop, os novos românticos... Duran Duran em Rio (aqui em edição especial). E claro, como não venho para aqui ensinar a missa ao padre, fiquem com uma das menos óbvias...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Style Council - Cafe Bleu

Estou numa disto. É tão bom que se fosse melhor desfazia-se na boca. "Nostálgico", "Triste", Descontraído", "Jazz", "Rap", "Pop", pois é e ainda tem a Tracy Thorn dos Everything But The Girl. Ouçam, vejam ou descarreguem (!!Não fui eu!! Juro!! Pensei que era porno amador!! Sei lá como veio parar música ao meu disco!! Vão passar multas pááááá!!)

Voz FM: SSSTYLE COUUNCIL em CAFE BLEUU - Segue a emissão...



PS: se o link estiver quebrado ou inválido digam com jeitinho, que o chefe arranja... outro.

All Aboard!!!













O que é isto?!! mais um pedaço de lixo estratoférico na("quela" que é uma das palavras mais odiadas na língua portuguesa? Talvez...) blogosfera. Diz que sim... apeteceu-me, deu-me para isso, choveu-me na moleirinha. Vá pronto, quero escrevinhar e mandar bitaites e lançar veneno nos beiços do zé e da ana que por aqui apareçam. BOOORAAA??