segunda-feira, 29 de março de 2010

A Máscara - Parte III: Suoni Dissonanti


Eram 5:55 no relógio despertador e Laura abriu preguiçosamente os olhos. Numa sensação de desconforto, foi relembrando lentamente o sonho dessa noite. O onírico misturava-se, nebuloso, com o real, na ténue fronteira do despertar. Via-se a si própria num quadro em movimento, ostentando uma máscara e por baixo dela, no lugar da pele, estavam escamas reptilianas... falando sem se ouvir, num mexer de lábios silencioso.

Depressa afastou aqueles pensamentos da cabeça, levantando-se, num misto de repulsa e medo. O quarto, envolto em escuridão, era uma pista de obstáculos até chegar à persiana. Pé ante pé, puxa a correia e, num movimento brusco, ela parte-se na sua mão. - "porra para esta ...da de dia!", praguejou. Voltando-se para trás, frustrada com o sucedido, procurou sair do quarto. Chegou à casa-de-banho, lavou a cara e olhou-se pensativamente no espelho. Era uma sombra da figura exuberante, atlética e saudável que antes fora. Anos de abuso, deixaram-na magra e desgastada. Durante esses anos, aquele espelho assistiu ao seu declínio.

Deixou a luz acesa e saiu para o corredor, ainda a pingar, quando toca a campainha. Apanhada de surpresa, veste o robe e sem ver, abre a porta. Ninguém. O Hall permanecia mudo e pacífico. Enervada, empurra violentamente a porta e volta costas, para o corredor, quando se lembrou que não ouviu o bater da porta. Antes de perceber o que quer que fosse, sente um puxar nos cabelos. Nessa fracção de segundo, solta-se, instintivamente, correndo desesperada para o quarto, só para escorregar no chão molhado.

O embate de peito contra o piso tirou-lhe a respiração por momentos e sem conseguir gritar por ajuda, sente-o em cima das costas, tomando-a em força como um animal selvagem. Queria desmaiar ou qualquer coisa que lhe tirasse a consciência - "era melhor não saber, só esquecer", pensou Laura, ao vê-lo lá no fundo pelo espelho iluminado da casa-de-banho, escondendo a face atrás de um disfarce de branco pálido. Ouvindo-o suspirar de prazer, na expressão imutável da máscara. Perfidamente, lembrou-se do sonho...

Red Sparowes - The Fear Is Excruciating, But Therein Lies The Answer

Este é o meu novo vício. Que excelente novidade deste super-grupo que já conta com 3 ou 4 alinhamentos diferentes, acrescentando sempre algo relevante à sonoridade, evitando os excessos e a repetição. Red Sparowes foram sempre ambiciosos, criando registos épicos em que cada canção, instrumental, corresponde a uma frase de uma história, definindo a temática do álbum. Desta vez, o destaque vai para a canção no individual, não descaracterizando o colectivo do registo, mas claramente roubando-lhe protagonismo. Vejam, baixem e comprem (sim que longe de mim incentivar à pirataria) que até vem com uma digipack bonita...

PS: O vídeo é da Buildings... que figura no 1º álbum da banda (At The Soundless Dawn)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Nem as minhas regras cumpro...

E ...ta que pariu! não consigo manter um blog actualizado. Falta paciência, falta eloquência, falta tudo, até o chá...

Há dias que são bons, para fazer um valente manguito ao mundo e voltar costas. Isso e pedir uma indemnização ao criador por nos ter dado consciência.

Digam-me se não é uma ..da quando nos apercebemos que valemos um zerinho redondo neste mundo.

Vá lá a trepar juventude!!! Que amanhã tens onde estar!!!

E segue a emissão...

sábado, 20 de março de 2010

A Máscara - Parte II: Una Serpente Con La Pelle Di Donna


Passaste por mim e nem te vi. Falaste-me, contaste-me histórias, mostraste-te sem te deixar olhar. Ergues-te altiva, uma víbora pronta a atacar. Quem se esconde por trás da máscara? O que escondes atrás da máscara?

Esses pequenos olhos hipnóticos são o teu toque invisível. Ao longe o gelo não queima e no calor do momento mantens o sangue frio. A tua cabeça é a última a deixar-se conquistar e respiras as feromonas da erva do diabo. O que te fizeram a ti farás ao próximo, escondendo as escamas em pele de mulher. Atrás dessa máscara estás segura?

Perderás a pensar que ganhas. És perfeita, sem dúvida, mas sem mim és só tu. Vendes-te barata e fá-los pagar caro... como é fraudulento o câmbio em sexo. Atrás dessa máscara és feliz?

Estás sozinha no presente, olhando para o passado, enquanto o futuro passa diante de ti. Enquanto eu passei por ti. Levar-te-ia para Ixtlan e, ao invés, escolhes o caminho das facilidades. Sabendo que te trará a desgraça. Em viagem demoníaca embarcaste? Que mundo vês atrás da máscara?

Ela nunca poderá ser como tu, mas escolheste-a para te dar. Ela é ouro e diamantes, deixando-te no breu para me encadear. Ela é uma barreira de titânio, forte demais para eu quebrar. Com ela és uma marca impossível de apagar, um preço demasiado alto para pagar. Nela vês o oceano numa gota de água, uma sede que não posso nunca saciar.

O torpor do corpo ganhou perante o estupro da alma. Neste tabuleiro humano, o peso dessa máscara deixa-te jogar, sabendo tu o terror de sonhar mais alto, que é cair naquela casa.

A Máscara - Parte I: Paora In La Casa Del Terrore


Ninguém lhe tinha dito o que sentir, por isso não sentia nada.

Ninguém lhe tinha dito para onde olhar, por isso olhava para o vazio.

Ninguém lhe tinha dito para gritar, por isso sofreu em silêncio.

Sangue do seu sangue veio e se, se ao menos tivesse gritado...

A sua vida mudou nesse dia e a sua alma ficou nessa casa. A noite escura brilhava lá fora, frente à janela embaciada...

A sua respiração parou, quando de palmas abertas, ele percorreu as suas costas e cada centímetro pelas suas pernas. A luz, como num vácuo, foi sugada pelo tecto. As mãos dele, como garras, cravaram-se nela. Num momento, tudo o que sabia da vida desapareceu, tudo o que conheceu deixara de existir.

Não sabia o que retirar da expressão dele, não podia ser de prazer, não podia ser ele. Era a casa, um espírito maligno que o possuiu e agora ordenava-o para que lhe fizesse o mesmo.

O seu terror mudo eventualmente terminou, mas aquele momento ficaria para sempre. A textura rugosa do tapete, o branco da parede, num piscar de olhos era tudo vermelho. Sangue jorrava, num tecido vivo, respirando, ofegando. Clamava por ela, desejava-a, olhando-a faminto com mil olhos.

O suor dele empestava a sua roupa interior. Os grunhidos luxuriosos eram vozes sobrenaturais, ecoando na sua mente. A sua pessoa um espectro vivo, deambulando sem propósito nesse mundo morto, cuja existência, de súbito, se apercebeu. Estava tudo naquela casa...

quinta-feira, 18 de março de 2010

This Mortal Coil - It'll End In Tears

Há dias que só apetece chegar a casa e ouvir isto... This Mortal Coil é o Supergrupo da pop alternativa dos 80's. Baixem aqui que não se vão arrepender...

segunda-feira, 15 de março de 2010

Spandau Ballet - Journeys to Glory

Ora, mesmo antes de ter ouvido Tony Hadley a falar no telejornal, sabia que em qualquer rúbrica sobre os 80's tem de constar Spandau Ballet. Foi das primeiras que ouvi deles e Journeys to Glory é um clássico do Neo Romantismo. Portanto, to cut a long story short... baixem aqui a edição especial.

sexta-feira, 12 de março de 2010

A Selva


"Quando, dos Descobrimentos veio o ouro, deixou de existir competição, ficámos isolados do resto do mundo, tudo o que gastámos foi para compensar cegamente os anos de pobreza e tensão, já aí orgulhosamente sós"

"Numa relação desigual uma das partes vive no anseio, pelas migalhas que a outra deixa para trás, numa tensão surreal que leva ao fim da vida a dois"

Andávamos, rastejávamos e trepávamos por esta selva há meses. A M4 pesava no coldre que, gradualmente, se fundia com o meu ombro, o suor queimava nos olhos e as picadas de insectos já não causavam comichão suficiente para nos fazer levantar o braço e coçar. Neste inferno verde, húmido e sufocante, encontrámos a morte, não às mãos do inimigo como o foi pelas da doença, fome, sede e exaustão. Sozinhos, neste paraíso sem proibições nem frutos, deambulávamos, rendidos à distância. Numa guerra vazia.

De uma unidade de 10 homens, só 4 sobravam ao fim do sexto mês na selva. Percorríamos um trilho infinito de floresta virgem, sem saber bem para onde se encaminhava. O mato não dava respostas, ao invés, segredava-nos silenciosamente que o inimigo esperava, furtivo, na tela verde que se erguia diante de nós. Era um labirinto alimentado a clorofila, com vida própria... nós sabíamo-lo e eles também, só precisavam de nos ver baixar a guarda para atacar. Viriam camuflados, de folhas e troncos, de terra e espinhos. A paranóia era a nossa última linha de defesa.

No fim, só sobrariam dois. Num vulgar tu e eu. As nossas conversas seriam mais iguais a cada dia que passasse, os nossos problemas manter-se iam, independentemente do esforço conjunto, e as nossas limitações seriam ainda mais evidentes neste plano hostil. O nosso mundo fitológico, condenar-nos ia à perdição. Tu irias sucumbir à fraqueza e cobardia, aproveitar-te-ias da minha humanidade e por asilo e refúgio me venderias ao inimigo... entregando-me a uma vida vazia.

Num dia abençoado encontrámos a nascente, cujas águas saciam a sede e curam as mágoas do corpo e da mente. Perante a sua visão pensei tratar-se de uma miragem, mas senti o resplandecer e a vitalidade na sua pureza. Foi como se tivesse acordado de um sono prolongado. Senti as marcas da desconfiança e do medo, senti a falta de mais alguém. Via-te agora do outro lado do reflexo, no charco, nas profundezas. Só, sentindo também a minha falta, sem que já nada pudéssemos fazer.

De repente, o inimigo já não importa, estamos descansados e a paranóia não faz sentido. Tudo é muito mais fácil, distantes que estamos, separados pela linha de água.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Roxy Music - Avalon

Há qualquer coisa de fantástico neste álbum. Já há muito que o glam dos Roxy Music se estava a gastar e o mainstream falou mais alto. A melhor pop dos 80s foi o canto do cisne para a banda, mas que canto... Para ouvir num mp3 perto de si: Avalon e a polidíssima More Than This.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Nas Asas do Desejo



O ar rarefeito da montanha corta-me, aos poucos, a respiração. Ofegando, trepo pelas rochas, com as mãos em chaga. Tão frágil, tão lamacenta, a terra se desfaz por entre os dedos e por cada centímetro que subo, caio meio. O tempo passa tão devagar quando olho para cima e o céu parece sempre tão longe. Onde está a luz? Que a chama em mim teima em apagar-se...

Não acreditei quando a caminhada acabou. Deitei-me, encolhi-me e cedi à exaustão. Dias depois, acordo, numa poça de suor. O sol brilha lá no alto e olhos ardem como se estivesse a ver pela primeira vez. Vales e vales, uma cordilheira de montanhas, centenas de picos, planaltos e escarpas, se estendem a perder de vista. O horizonte, perscrutava-me transfixo, para onde quer que me voltasse.

Num momento a vida muda, todos os planos, todo o crer desaparece nesse instante. O mundo reduz-nos à nossa insignificância e deixa-nos prostrados no mesmo chão duro que tememos até então. Rezei, pedi e tentei legitimar esse desejo, que persegui durante anos. Agora já não faz sentido... perdi-me nessa imensidão.

E desfeito, pedi-te. Implorei-te por ajuda, por orientação. Envergonhei-me da minha ilusão e escolhi a tua: "Ajuda-me Senhor, mostra-me o caminho porque estou perdido. Se é isso o melhor para mim não me deixes parar agora, dá-me força, dá-me asas".

O sol apagou-se e no escuro brilhei com a luminescência de mil centelhas. Como um Deus menor, olhei para as trevas e avancei sem medo. A minha vontade iria prevalecer... foi essa a tua ilusão, porque, me atirei para o abismo do meu desespero. A subida, que fiz a tanto custo, pareciam escassos metros na queda.

O que custa mais quando o fim é eminente? Fica a inconformidade por algo que desejamos com todos os poros e nos é vedado, não por vontade de outrem, mas por incompetência nossa. Minha. Desejava agora mais que nunca, encontrava conforto no sonho impossível, via-o diante dos olhos. Ignorando o ar gélido da descida, a força avassaladora da gravidade e o racional, cresci as asas e voltei a erguer-me em altitude. Elas guiaram-me até ti...

...mas acordo, num movimento perpétuo e mecânico, levanto o braço dorido e alcanço a rocha. A caminhada continua.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Prefab Sprout - Steve McQueen

"Um dos melhores álbuns dos anos oitenta", ouvi há tempos. E não é que é mesmo! Paddy McAloon fica conhecido como um dos melhores compositores de pop, desde Lennon e McCartney e canções como Appetite, When Love Breaks Down, Goodbye Lucille #1 e Faron Young são rodadas até ao ponto de irritar. Senhoras e senhores, para vosso gáudio auditivo: Steve McQueen. Vejam o lado mais intimista e solto dos Prefab Sprout neste video de Bonny.

terça-feira, 2 de março de 2010

21/115


Às vezes parece que tudo na nossa vida se resume a números, quantitativos universais, que projectam as nossas ambições ou decepções para estados de satisfação ou descontentamento. Esses também, desejavelmente, calculáveis. Procuras assim evoluir? Ter mais? Ser mais?

O que significa este algoritmo? É ele a expressão de alguma coisa? Porque não me sai da cabeça? Será que com a sua inabilidade para se exprimir quantitativamente, a sua memória é uma efemeridade? Ou permanecerá intocável no mistério que encerra?

Não consigo calcular-te ou ignorar-te, racionalmente. Estou satisfeito? Descontente? Não, claro que não. Quero conhecer-te. Sentir-te decifrada nessa expressão. Sem romances pueris, sem promessas exponencialmente impossíveis. Não vou insultar a tua inteligência. Não serias tu sem ela.

Nesta antítese me confesso, sobre este paradoxo emocional, te peço compreensão. 21/115... te declaro, epíteto de calor e vento, promessas não ditas, mas pensadas, do cimo de uma ponte de ferro, em que andarei, sentado para nunca voltar só.

21/115, descobri-te numa simples equação, em que os números não significam nada. Mas, se quiseres te digo, que dois mais um fazem o número perfeito e que um mais um são dois, pelo que sem a tua perfeição ficaremos sempre aquém de todo esse potencial. Faz sentido?

Claro que sim, se não pensares em números, em unidades, distâncias ou volumes. Tirando isso, o resto somos tu e eu. Nem um nem dois, só “nós”, num egoísmo partilhado em que terei sempre o que quero... para te dar.

Afinal, vês? Nem tudo na vida se resume ao que conseguimos guardar no bolso...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Japan - Tin Drum

Continuando com os queridos e fofos anos 80, fica aí uma banda esquecida, que os tempos modernos se encarregaram de lembrar. Um luxo que era ter Jensen, Karn, Barbieri e Sylvan na mesma banda, tão grande que não sobreviveram ao sucesso do seu melhor trabalho. Só para vocês: Tin Drum.

Fiquem também com mais esta dos Japan... simplesmente assombrosa...