segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Máscara: Parte VI – La Maschera Del Demonio


Debaixo da luz trémula do quarto de hospital, onde Laura se encontrava, Carlos olhava pensativamente para o seu reflexo na janela, parecia uma figura de cera derretendo-se, no efeito da chuvada que caía nessa noite. O escuro da noite era uma capa negra, sobre as várias camadas de água escorrendo-lhe pela face na janela, uma e outra vez, como se o seu semblante lhe caísse aos pés, mas continuava lá... com aquele sorriso malévolo, pensou Laura.

A sua pele eriçava-se ao olhar para ele, arrepiava-a imaginar-se no mesmo quarto que o homem que lhe havia invadido o corpo, quebrando-lhe a dignidade. Agora estava ali, como uma estátua, panopticamente, vigiando-a, perscrutando os seus sonhos, inspirando o seu ar, mantendo-a numa prisão de sufoco. Ela sabia. Ele dera-se a conhecer. O disfarce não o era, a máscara era a sua verdadeira pele. Um animal de sangue frio, um colosso entre as mulheres e uma fraca desculpa para homem. Ela conhecia-o.

Fingiu uma ida à casa de banho para – aproveitando a sua distracção – escapar daquele quarto. O corredor encontrava-se deserto e Laura segue-o, titubeante, procurando por ajuda. O odor forte a éter e os gemidos ominosos, vindos dos outros quartos, provocam-lhe tonturas nauseantes. A luz branca do corredor encandeia-a e as forças começam a abandona-la. “Ele não tarda aí... caminhando impavidamente, fazendo ouvir os seus passos como um batimento cardíaco, perseguindo-me, implacável, imparável”, ele virá, disse para si.

Reunindo as suas forças, abre a porta para a escadaria e começa a trepar os degraus para o primeiro andar. “Ele pensa que eu vou tentar fugir para baixo, mas escondo-me num dos quartos de cima – uma agulha num palheiro...”. Com a lâmpada de emergência fundida, subir no escuro até ao patamar de cima era um esforço sobre-humano. Ardia, de cada vez que arrastava o cotovelo ensanguentado pelo chão frio, no entanto, já conseguia ver luz irradiando pela fresta da porta do primeiro andar. Só mais um pouco... Mas, já não estava só, o estrondo da porta debaixo a bater, penetrou-lhe os ouvidos como um choque eléctrico.

“Laura? Estás aí?”, chamou Carlos. Não fazia ideia onde ela podia estar. O pânico que sentiu quando deu conta da sua fuga, assombrou-o com a potência de dez cafés e mesmo assim, subia pela escuridão, lento e medroso. Onde estaria ela? Não. Porque fugiu? As perguntas ecoavam na cabeça e nem depois de alguns passos se apercebeu que o chão estava escorregadio, do suor e sangue dela. Pára, de súbito, chocado pelos olhos vermelhos brilhando atrás do cabelo negro de Laura, espigado e desgrenhado como palha. Furiosa como a face do demónio, investiu sobre ele.

Mecanicamente, soltou um gemido à passagem de Carlos. “Estás aqui...”, exclamou ele, sorrindo. Quando percebeu o que tinha de fazer, já o havia feito. Empurrando-o, sem a misericórdia que o assassino nunca demonstrara, do patamar abaixo. Exaltando-se em gáudio, num clamor mental ao ver o crânio embater contra o vértice da escada, esvaindo-se no vermelho do sangue. Estaria tudo acabado?

Olhou à sua volta encontrava-se agora rodeada de capuzes negros sussurrando entre si:
- “Matou um homem...”;
- “Alguém que chame a polícia!”;
- “Louca...”
- “Só pode!”
- “Agarrem-na com força”
Incapaz de ver as suas caras, a última memória sã de Laura foi a visão do quarto branco onde a fecharam. As almofadas na parede reconfortavam-na, sentindo-se amparada e a luz áurea e forte nunca se apagava, para manter as trevas ao longe. Estava segura, finalmente.

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