segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Máscara - Parte V: L'Aldilà


Na maior parte das vezes ao imaginarmos a dor forte de alguém, pensamos em algo que soa tão terrível que, se acontecesse connosco uma parte de nós morreria, como se nos tirassem a razão para viver. Carlos olhava solenemente para Laura, à espera de ver uma ferida aberta, como se a pudesse fechar, com tempo e preserverança. Não. Esta era completamente diferente – Nesse instante, Laura abriu os olhos e viu para além da vista...

Tinha sido deixada numa estrada escura, iluminada ao longe por uma candeia. Olhava em volta e via o bafo da sua respiração, mas não estava frio. Não se sentia em si, os movimentos que fazia não eram os dela e não conhecia medo, nem desconforto naquele lugar. Era parte dele. Vestia o negro da noite e gelava tudo ao seu caminho, aproximando-se, a passo, da luz. A candeia de petróleo iluminava uma cabana de madeira, no meio das árvores. Passou-lhe a ironia, de que a floresta escondia a prova da sua morte pelo homem.

Andando pelo ar, sem se mover, pegou na candeia e entrou. Lá dentro, parecia-lhe a casa maior do que tinha julgado. O chão não o era, e a terra barrenta continuava a amparar-lhe os passos, em sulcos. As paredes interiores eram feitas de troncos finos, como grades de prisão. Parada na ombreira da porta, Laura respirou o silêncio... até que quietude das trevas foi interrompida por um gemido, logo seguindo-se o soluçar, gradual até se dissolver fluidamente num choro copioso que conhecia tão bem.

Deitada em cima de uns trapos velhos, estava uma rapariga ferida e acorrentada ao chão. Não tinha mais que 20 e poucos anos, os cabelos louros tinham sido pintados de verde, com as latas de grafitti que estavam espalhadas em redor. Aliás, ao pendurar a candeia, na trave de suporte ao telhado, notou que toda ela tinha sido pintada.

De súbito viu-se a pegar fogo aos trapos, imolando a pobre mulher, que se contorcia e debatia em vão, gritando de dor como nunca tinha ouvido alguém gritar. A cena durou longos segundos, talvez até minutos e Laura continuava a não sentir nada, mesmo sabendo o crime hediondo que havia cometido. As chamas eram superficiais e quando a pele que cobriam esturricou, a mulher ainda tinha uma réstia de vida. Como se fossem escamas esverdeadas, viu os seus lábios proferirem num último suspiro: “Eu conheço-te...”

Voltou costas àquela cena e viu-se de frente ao espelho, envergando um capuz negro e uma máscara branca, enquanto escutava em eco o som das suas próprias gargalhadas. Laura viu tudo isso pelos olhos do seu opressor... ainda perdida no ruído tenebroso do seu gáudio, acordou. E naquele instante em que o sonho se confunde com o real, o sorriso pálido da máscara decalcou-se em Carlos, que lhe segurava a mão. “Eu conheço-te...”, disse ela, sem medo ou terror, antes de voltar a cair no sono dos sedativos.

Sem comentários: