terça-feira, 6 de abril de 2010

A Máscara - Parte IV: Intermezzo


O cheiro a éter começava a incomodar-lhe os pensamentos... estava há 2 horas sentado no mesmo banco de hospital, enquanto aguardava que Laura acordasse. Carlos não conseguiu deixar de se sentir estranhamente nostálgico ao ver o seu reflexo no chão polido do corredor; seria esse o rosto que ela conhecia? Passaram dois anos, desde o dia que se despediram. Dois anos seriam mais dois nos seus 32, ainda assim, havia uma mágoa, um sabor agridoce que ficava quando pensava nesse dia. “Tinha ido vê-la para lhe contar do emprego novo, estava tão aliviado por ver a sua vida andar outra vez. Ansiava pelo orgulho dela, por lhe mostrar que não era um falhado. Ela sorriu, condescendente, quase indiferente”.

A enfermeira tocou-lhe ao de leve no ombro e fez-lhe sinal para entrar. Não sabia o que esperar, não lhe voltavam à memória as palavras certas para dizer. A desconfiança, o medo e o egoísmo toldavam-no no seu âmago, não estava ali só para a ajudar, antes estaria para a confrontar. Porque, se o tivesse aceite, se o tivesse deixado protege-la, não estaria ali sedada e quebrada.

Haviam 3 dias desde que tinha sabido, por amigos em comum, do ataque. Ela parecia tão frágil e pacífica agora. Queria passar-lhe livremente a mão pelos cabelos, de um castanho quase negro, suave e carinhosamente como tantas vezes desejou fazer. Queria segurar-lhe a mão e sentir-lhe a pele delicadamente branca e fina. Podia fazer isso tudo sem ser afastado por ela ou pelo que restava da sombra de uma mulher fria e bruta.

Lá fora ouvia pessoas a cirandar, a urgência de vidas para salvar, de corpos a tratar. Aqui ninguém se mexia, nem ele nem ela iriam a lado nenhum. As suas almas estavam imóveis e naquele momento a sua mente divagou, numa espécie de zapping, lembrando-o do que foi apaixonar-se por Laura: Quando a conheceu, ela estava num farrapo emocional, desesperava por um ombro forte. Deu-lhe o melhor de si e cuidou de a reabilitar. Depois, foi dispensado, vagarosamente, sem saber porquê, até descobrir que havia mais alguém. Hoje usaria uma máscara para disfarçar a sua amargura.

Olhava agora fixamente para a sua face adormecida, dócil, mas gasta e pesada... não era essa a sua verdadeira face. Disseram-lhe que após ter falado com a polícia, não voltara a proferir duas palavras seguidas. Carlos não conseguia imaginar o terror por que ela tinha passado. Estava imponente para fazer alguma coisa, para a fazer esquecer. “Queria voltar a ser o seu salvador, mostrar-lhe a sua utilidade, a sua lealdade”...quando ela finalmente acordou.

2 comentários:

JP disse...

Está muito bom! Como viste, havia ali uma continuação pronta a aparecer. E está a tomar contornos bem melhores, a meu ver, que as primeiras partes. :)

Luís disse...

Mesmo :) aqui se vê a importância da crítica. Muito Obrigado!