sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Ponto de Fuga: O Grande Desconhecido (III)


“Freedom (n.): To ask nothing. To expect nothing. To depend on nothing.” — Ayn Rand, The Fountainhead

Há uma presença que nos guia, o espectro de um objectivo. Uma atitude. Um modo de estar. Esteve lá desde que nos conhecemos, no entanto levamos anos para o reconhecer. Há um padrão, um circuito de ideias de coisas, atraindo-nos em círculos. Um blusão de cabedal, um olhar de soslaio ou o vento a rasgar aos ouvidos, como agora...

É impossível deixar a grande LA, as saídas multiplicam-se e parece que ficamos no mesmo lugar. A quantidade de caminhos, ramais e junções não parece uma criação humana. Da I-5, pela I-405, fugindo de LAX as estradas são números bem reais. Tantas tentações: Santa Monica, Long Beach, Sherman Oaks, Bel Air ou Beverly Hills. Hollywood é opulento e está presente no imaginário a todo o instante, como se fossemos personagens de todos aqueles filmes... encarnando caras no cenário ou figurantes desfocados.

No rádio vive um pregador, independentemente do posto, forma-se uma amálgama de mensagens com o mesmo destinatário, numa alegre conversa que orquestro com o manípulo: "encontre a luz!; só este fim-de-semana, promoção inédita no hotel Palm Bay; fiquem com a mais recente sensação da pop...; vem daí irmão, abraça a vida; com o patrocínio Dino's Bar & Grill...; ahah e vira-se para mim e chama-me mentiroso!! na cara!!; hoje no Senado...;"
- "pára com isso..." irrompeu S., empurrando a cassete, enquanto a alma de Al Brown profere sem misericórdia "...there ain't no love in heart of the city...". Tão cortantes as suas palavras revelaram a "presença".

Num gesto de necessidade escapista, envolvi-a candidamente num beijo, em que ficámos alheios dos "destinatários", de quem vai para o trabalho, das mães que vão buscar os filhos à escola, das crianças aborrecidas no banco de trás. Já não éramos livres: não pedimos nada, não esperámos nada, mas dependíamos um do outro para fugir. Faz falta alguém em quem tocar para lá da alavanca das mudanças, alguém que nos mude as estacões de rádio, olhando-nos sempre da mesma maneira mesmo enquanto, sujos de escape preto na cara, comemos um hambúrguer gorduroso em cima do tablier.

É um caminho emocionante, ainda que ao mesmo tempo pachorrento, da I-10 em direcção este por Beaumont no Riverside County. Palm Springs mesmo aqui ao lado com as suas moradias de luxo, piscinas e palmeiras enclausuradas no vale. Nunca fui muito do Golf e uma das verdades quase absolutas sobre a California, é que deixando de ver o mar tudo o resto é deserto. O pavimento ferve ao Sol, independentemente dos nomes bonitos, dos centros comerciais e dos aeroportos. Finalmente, o Arizona acolhe-nos pela U.S. Route 60, "The Superstition Freeway".

A estrada é exigente e não nos deixa parar, nem lhe convém, porque à sua berma os cabelos não voam, as mãos não tremem e vida estagna. Com S. ao lado e, finalmente fora da cidade, o ponteiro subia pelos Kms em direcção ao grande desconhecido americano.

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